Porcolitro

Porcolitro era um leite muito safadinho, derramava sempre. Os outros litros falavam para ele: cuidado, você vai acabar sujando tudo. Mas o litro não estava nem aí, todo dia fazendo a mesma coisa. Até que um dia veio uma fada e transformou o litro em porco, num porcolitro, que protagonizou mil aventuras...



Créditos das aventuras de Porcolitro: Milton Nascimento e Maria Dolores Duarte.
As aventuras a seguir são por minha conta.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Consciência negra através do espelho

Então o saguão da minha escola se redecorou para a semana da consciência negra.
Trabalhos dos alunos - grande parte deles moradora das periferias cubatenses - pendurados nas paredes, fixados nos murais, teto, chão... Traziam fotos de grandes personalidades negras, legendadas pelas frases "respeitem o negro", "o negro também é capaz", "os brancos devem respeitar os negros",  etc.

Olho para meus alunos, quase todos quase pretos. Pergunto:

- Por que vocês acham que existe esta semana, a da Consciência Negra?
- Porque muitas pessoas tem preconceito com os negros, professora.
- Quem são estes negros que sofrem preconceito?
(silêncio constrangedor de um lado, risos engraçadinhos do outro)
- Professora, a gente não pode falar sobre isso na classe, senão começa a ter briga.
 (...)

Continuo empenhada em descobrir quem é este negro, vítima do preconceito, alvo da campanha. Não o encontro. "O negro" sempre está lá, na terceira pessoa, existe, mas não é ninguém. Um negro virtual a quem a escola mobilizou esforços em uma semana sem sentido.

Passo para o lado de cá. Os professores, quase todos quase brancos. Os mesmos que querem combater o bullying e a violência na escola, mas desejam com paixão desenfreada que uma boa surra ensine uma lição aos playboyzinhos da USP. Os mesmos que dizem que "os pretos que levam o Brasil pra frente são o café e o petróleo". Os que qualificam negros como morenos, escurinhos. De novo, ninguém tem nada a ver com aquilo. 

Avalio então, a abordagem historiográfica. Impessoalidade. O tráfico "de negros", a escravidão "dos negros", a liberdade "dos negros". Quem são estes negros? Nossos avós, bisavós, tataravós? Seres humanos? Brasileiros?
Nada! São uns negros lá. Mas não aqui. 

O saguão da escola permanece decorado. Nele, vejo apelos anti-racistas, vejo o Tim Maia e a Taís Araújo. Mas não me vejo lá. Ninguém se vê.
O hall da escola está decorado, mas a Semana da Consciência Negra passou em branco, inconsciente.
Deve ser porque o Haiti não é aqui.







sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Mudar o mundo

Revoluções não nascem em um dia. Engendram-se das contradições das próprias estruturas, corroem-nas, explodem-nas, ou não: implodem-nas e diluem-nas em outra coisa, outra estrutura ou várias delas.
Se pudéssemos estabelecer ao menos uma lei social, seria esta: sociedades são sempre dinâmicas. Dinâmicas e (des)governadas por ideologias, poder, tradições, mas também por insurreições, rebeldias, cataclismos. 
Não existe tal coisa qual a sociedade fóssil, tampouco a ideologia perene. 
Buscar e entender permanências em detrimento de rupturas pode ter se tornado um instrumento analítico eficaz no estudo da história, porque descortina mudanças ilusórias, revelando a manutenção cruel do status quo.
Por outro lado, é apenas fora da torre de observação acadêmica, com os pés no chão, que podemos ver que  mudanças só não acontecem quando não são feitas por nós.

A era da pulverização
Quem fala de sociedade e não pensa no velho Marx não tem juízo (nem coração). Quase duzentos anos depois de Marx, a despeito do esforço da tal da intelligentsia, o senso ordinário não abandonou a noção de classe, o capitalismo continua gerando desigualdade, alimentando tensões sociais e principalmente desenvolvendo-se dentro de contradições indissolúveis.

Entretanto, o hegeliano escatológico e universalista (e romântico?) Marx em seu século XIX não pôde prever que as os processos revolucionários em direção ao comunismo se desenvolvessem fora do eixo central do capitalismo. Também tropeçou ao contar com uma ideologia revolucionária de classe. Talvez porque o sistema capitalista tenha suas artimanhas, talvez porque as pessoas são menos solidárias do que se imaginou.

A segunda metade do século XX caracterizou-se pela conformação de movimentos cujos avatares sociais afastavam-se do tradicional ou oficial. Em detrimento da religião, nação e família, ou de uma "condição social" o elemento identitário estava fragmentado em pequenas esferas sociais, com destaque para a etnia, o gênero e a sexualidade, mas não restrita a eles. Estes grupos sociais, embora não excludentes entre si, possuem reivindicações bastante específicas. Determinados por ou determinantes de uma nova visão de Estado, poder e relações sociais, o palco destes novos agentes foi um mundo de poder diluído, de desejos restritivos e individualizantes e a ideologia dissipada. Embora, como observou Hobsbawm, a maior parte deles estivesse alinhada com ideologias de esquerda.

A ideologia de minorias
Tais minorias assim se caracterizam não porque sejam inexpressivas numericamente, mas porque almejam status e tratamento diferenciado.
Aparentemente, a (des)articulação social em minorias oferece vantagens: Na linguagem darwinista econômica, o sucesso é mesmo para os poucos. Nas entranhas das políticas estatais, você goza de vantagens por não se alinhar às coletividades.
Entretanto, ainda que não travestida de bandeira de luta, a tensão entre grupos sociais (complexamente) complementares e antagônicos não deixou de existir. Ela está manifesta no esfacelamento das instituições mantenedoras do status burguês, burladas pelas elites econômicas que manipulam o Estado, pelos discursos mercadológicos de ascenção social; ou  pelas camadas populares que solenemente ignoram o saber formal, canônico e elitista.
Isto é, evidentemente, existe opressão por parte dos detentores do capital por um lado, tanto quanto de outro há uma possibilidade latente de rebelião popular, cuja válvula de escape são as pequenas rebeldias de cada dia. Estas que dizem que há algo fora da ordem e que a ideologia dominante, na verdade, não domina e é confrontada a cada dia pela desobediência.

A situação revolucionária
Talvez eu seja a última romântica em perceber (ou forçar uma barra para ver) uma obscura consciência de classe ou um desejo inconsciente de mudança. 
Contudo, na onda da hipervalorização do indivíduo, é truísmo caracterizar grupos humanos por suas particularidades.
Ousado é enxergar e construir horizontes comuns, sem ser universalizante (e imperialista), aniquilar as diferenças que nos inferiorizam, sem anular aquelas que caracterizam nossa identidade.

A individualização, o egoísmo, a "ideologia de minorias", a diluição do poder em micro-esferas são virtuais, no sentido que são categorias analíticas mais que dados de realidade. Se estamos presos neste labirinto do sistema, é apenas porque nos sujeitamos a pertencer a minorias.

O problema aqui é que não há horizonte senão na associação e na coletividade. Mas também é que a transformação é uma ideia demodé.
Os pós-modernos continuam acertando muitos e tantos pontos. Mas se é para enxergar além e e caminhar adiante, o ponto vai para Marx.
E então, Vinícius, são encruzilhadas ou confluências? Como mudar o mundo se Foucault e Marx não fizerem as pazes?




quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Não comigo, sou Arturo Bandini!


"Vomitei em seus jornais, li sua literatura, observei seus costumes, comi sua comida, desejei suas mulheres, maravilhei-me diante de sua arte. Mas sou pobre e meu nome termina com uma vogal branda, e eles me odeiam e odeiam meu pai e o pai de meu pai, e arrancariam meu sangue e me derrubariam, mas estão velhos agora, morrendo ao sol e na poeira quente da estrada, e eu sou jovem e cheio de esperança e de amor ao meu país e à minha época (...)"


John Fante, em Pergunte ao pó (Ask the dust), 1939. Trad. Roberto Muggiati.


*presente emprestado da Carol, irmã duas vezes.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

In memoriam

Irene no céu


Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.

Imagino Irene entrando no céu:
-Dá licença, seu branco!
E São Pedro, bonachão:
-Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.


Manuel Bandeira em Libertinagem, 1928.

domingo, 17 de julho de 2011

with or without google?



Porcolitro en nuevas aventuras

Leche Porcolitro era muy travieso, siempre vertido. Litros, habló con él, con cuidado, te acaban ensuciando todo. Pero litros no le importaba, todos los días haciendo lo mismo. Hasta que un día llegó un hada y se volvió el litro en los cerdos, un porcolitro, protagonista de mil aventuras ...

Porcolitro in new adventures

Porcolitro milk was a very naughty, always poured. Other liters spoke to him, carefully, you'll end up messing everything. But liter did not care, every day doing the same thing. Until one day a fairy came and turned the liter in pigs, a porcolitro, who starred in a thousand adventures ...

Porcolitro dans de nouvelles aventures


Le lait Porcolitro était un très méchant, toujours versé. Autre litres lui parlait, avec soin, vous finirez déconner tout. Mais litres ne se souciait pas, chaque jour faire la même chose. Jusqu'au jour où une fée venue et a transformé le litre chez les porcs, un porcolitro, qui a joué dans mille aventures ...


Porcolitro in nuove avventure
Latte Porcolitro era molto cattivo, sempre versato. Litri diversi gli parlò, con attenzione, si finirà per rovinare tutto. Ma litro non importava, tutti i giorni facendo la stessa cosa. Finché un giorno arrivò una fata e trasformato al litro nei suini, un porcolitro, che ha recitato in mille avventure...
Porcolitro in neue Abenteuer...
Porcolitro Milch war ein sehr frech, immer gegossen. Andere Litersprach mit ihm, vorsichtig, werden Sie am Ende durcheinanderalles. Aber Liter war mir egal, jeden Tag das Gleiche zu tun. Bis eines Tages eine Fee kam und drehte den Liter bei Schweinen, einporcolitro, die in tausend Abenteuer spielte...

Porcolitro في مغامرات جديدة
وكان Porcolitro الحليب شرير جدا، وتصب دائما. لتر أخرى تحدث معه، بعناية ، فسوف ينتهي كل شيء العبث. لكنه لا يهتم ليتر، في كل يوم تفعل الشيء نفسه. حتى جاء يوم واحد منحورية وحولت لتر في الخنازير، وporcolitro، الذي تألق في مغامرات ألف...



segunda-feira, 4 de julho de 2011

Copyleft

É, companheirada! Tempos difíceis estes, para aqueles que - como disse a Yaritcha- arriscam-se em ser sujeitos da ação: os solteiros.
Estes trópicos congelantes!

Mas nem tudo está perdido. Não enquanto houver rapazes exaferados*, com ideias quentes e palavras doces, vindos de uma terra encantada de liberdade e libertinagem, onde todos os homens são latin lovers, onde o Milton Nascimento encoxa o Marvin Gaye e tudo o mais pode acontecer.
Rapazes assim como meu querido Jáme, que em uma outra noite não tão fria, mas igualmente solitária, mandou-me esta, que copio aqui sem culpa nenhuma.
Aprecie-o sem moderação. Aliás, moderação faz mal, passar vontade não presta, já dizia meu amigo Mathias, um leão do norte a quem cacei uma noite dessas.


Cerca

Ahora estoy tan cerca
Y tan lejos de vos.
Puedo mirar el contorno
De tu hermoso cuerpo
Cuando cerro los ojos

Tengo ganas de tu perfume
De investigar el sabor de su boca
y sentir como un hijo
mi lengua en sus senos

Quiero despertar.
Pero despertar a tu lado,
Aún en éxtasis,
De la última noche de amor


*Palavra original. Nenhum direito reservado.
.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Maria

E agora, Maria?
A festa acabou,
o povo vazou,
ficou só, te pergunto:
não era o que queria?
Maria,
então não deveria
ter cortado o som,
regulado a bebida,
censurado a orgia,
e agora, Maria?


Quem a qualquer hora
do dia ou da noite
suplantará sua solidão,
aliviará sua agonia?
Não, não me venha,
com seu papo barato
seus ritos, seus ditos,
sua mitologia,
suas teses, sudorese,
receitas com maionese
agridoces, hidroponia.
Deixa disso, Maria!


Houve um tempo,
eu me lembro
que brincamos
batalhamos
guerras de canudos
e melancia.


Se você dissesse
que só por um dia
poderíamos voltar
a trocar, xeretar
nossas manhas,
façanhas, planos
e manias,
nossos medos, anseios,
nossos maiores segredos,
nossa gula, angústias,
nossos amores perdidos
entre outras fobias;


eu contraproporia,
Maria,
que destes tempos,
sentimentos,
não podem sobrar
apenas fotografias,
bilhetes, medalhas
condecorando paredes,
baús ou quaisquer
gavetas vazias.


Vem comigo, Maria,
não sou dada a feitiços,
amuletos, huacas,
rezas, simpatia,
mas tenho uma crença
ou desconfiança:
bom destino não espera.
Ou se corre, ou esfria.
Tomemos então este bonde,
Maria!
Maria, pra onde?

.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Não existe dia dos namorados do lado de baixo do Equador

Um fantasma ronda a sociedade: o fantasma do amor livre. Todas as potências da Verlharquia brasileira unem-se em uma Santa Aliança para conjurá-lo...
É tempo dos amantes exporem, à face do mundo inteiro, seu modo de ver, seus fins e suas tendências, opondo um manifesto deste movimento à lenda do espectro do amor livre.

O amor é lindo. Ou não! Aliás, nunca a retórica caetaneana serviu tão bem: Vivemos em um país livre e democrático. Ou não! O estado brasileiro é laico. Ou não! Ou sim! Ou não! Não!

Quão ridículo não é passar o 12 de junho, sobreviver aos assédios dos comerciantes, contemplar as histórias mais puras e castas de romances pelos programas de tevê. Ou não! Propagandas picantes, sugestões eróticas, reportagens sobre performances sexuais inusitadas. Isso tudo me diz: "Homem: seja um ousado cavalheiro!"; "Mulher: seja uma safada pudica". Desde que - é claro, está implícito! - preserve-se a devida heterossexualidade.
Ah, não, namorados! Não me venham com bichices*.

No blogue do Sakamoto, um post da semana passada denunciava o marketing do dia dos namorados que coloca a mulher em seu devido lugar. "Você, maridão? Por que não dá uma lava-louças para sua mulher? (Afinal, a obrigação com a manutenção da casa é toda dela, acrescenta-se.)" Ou então "Você, mulher? Por que não compra esta lava-louças e vai para a academia? (Sua baranga, acrescenta-se.)"

Agora, às vésperas do passo gigantesco rumo à democracia plena, a aprovação da PLC122 (que criminaliza preconceito e discriminação de gênero, orientação sexual e identidade de gênero - homofobia), milhões mobilizam-se em torno deste fundamentalismo religioso inculto e bárbaro. O bolsonarismo não é uma onda do momento. Quem nunca viu gente culta e civilizada dizendo que a aprovação da PLC 122 vai incentivar a homossexualidade? - Ha! Desde quando nosso tesão é pau mandado de lei? Essa é das boas.

Este vídeo, circulando pela internet, foi indicação do meu amigo Joe. Nele, a marcha da família contra a PL122 é comparada às multidões nazistas.


É muito problemático defender a liberdade religiosa de quem difama; inflama, justifica e aplaude o ódio e o preconceito contra as possibilidades sexuais e afetivas de outros. Ainda mais quando este ódio deságua em uma violência como praxis contra  homossexuais, transexuais e transgêneros.

Ninguém pode se calar diante disso. Porque cada vez que um casal não puder manifestar seu amor, o direito universal de amar será violado.


Os amantes nada têm a perder a não ser suas algemas. Têm um mundo a ganhar.
Namoradas e namorados do mundo, uni-vos!

terça-feira, 7 de junho de 2011

Romper tratados, trair os ritos

Outro dia, em um protesto em Mongaguá, um professor do movimento grevista da ETEC protagonizou uma arriscada manobra: ofereceu uma flor ao governador Alckmin e, quando este aceitou, habilmente sequestrou-lhe o microfone das mãos e pôs-se a conduzir as animadas rimas que movimentam os  protestos.

Mas que atitude donjuanesca! Será universal minha percepção de que a subversão tenha algo de sexy? Ah! Uma subversão elegante dessas é para desmanchar qualquer coração de grevista, mais durona que seja. Aliás, um protesto, passeata ou marcha deve mesmo ser lugar interessante para encontrar um amor para sua vida, o Xico Sá mandou essa na semana passada no seu blogue. Ok, um amor para a vida deve ser exagero, mas umazinha para o fim de semana, com um idealista barbado, embriagados de rum e de Buena Vista não deve fazer mal a ninguém, há de se admitir. Para além dos prazeres intelectuais e mundanos, o tal "amor de passeata" pode até ter um happy end. É pagar para ver.

A gentileza revolucionária também passou pela Marcha da Liberdade. Em resposta à violenta repressão policial na Marcha paulista da Maconha, os manifestantes distribuíram flores aos policiais. Inicialmente, marchar pela liberdade pareceu-me bem burguês-século-XIX. Mas o movimento foi bonito! Entre passos, cantos e flores, há quem tenha ouvido ecoar "Hey, polícia, maconha é uma delícia!". Então, protestamos pelo prazer.

Finalmente a subversão assumiu seu lado poético para além dos parnasianos versinhos de marcha! Somos nestes dias todos gays, mães, maconheiros e vadias. Protestamos de lingerie, amamentando, distribuindo flores e perfume. Avant garde da subversão. Tudo muda o tempo todo. Pero, sin perder la ternura. Siempre.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Homens de farda e outras taras

Não é todo dia que nossa casa pega fogo. E eu, que nunca quis fazer do Porcolitro um diário de bordo, não pude conter o ímpeto de compartilhar esta aventura que inspirou os mais (e menos) ousados trocadilhos.

Fato: pais viajando, crianças em casa... situação de altíssimo risco. Ocorre que, em vez de promover um bacanal, experimentar drogas raras, acordar ao lado de um completo desconhecido com um balde de vômito e descobrir que aquela porcelana chinesa do século XIV está quebrada para nunca mais, em vez de estourar o limite do cartão de crédito de emergência, em vez de tudo isso, as crianças decidiram botar fogo em casa e não no sentido metafórico do termo.

A vida até corria bem nesse fim de semana: eu teclando com o amigo Iuri, reclamando do frio cortante, enquanto as coisas iam ficando quentes, mais quentes que nunca. O estopim: uma batata fritando e novo filme da Sharpay para começar. Os agravantes: alguém que achou que se apagaria a labareda jogando água (de longe) e outro que não sabia apertar o gatilho do extintor de incêndio.

Seria este o cenário do trágico fim de quatro donzelas indefesas, não fosse o heróico e destemido vizinho apagar nosso fogo e os quinze homens, enfermeiros, policiais, e - é claro - os bombeiros másculos com seu mangueirão característico.
Fosse eu mais  ligeira, teria fingindo um desmaio ou palpitação:  aquela cena, eu em trajes mínimos, bombeiros a meu redor, perguntando meu nome, telefone estado civil (hehehe)... De fato, como no provérbio chinês, a oportunidade perdida não volta mais. Lembrei logo de um tempo distante em que a (amada) Carla e eu compartilhávamos nossas taras por homens de uniforme.

Aí dizia eu para o gentil policial: "por favor, queremos que conste no Boletim de Ocorrência que nós contatamos o corpo de bombeiros", ao que seu parceiro respondeu "ué, não sei porque isso tudo quando fala de bombeiros, o que têm os bombeiros para causar tanto alvoroço?".

Naquele momento entendi: aquele policial, o não gentil (que riu quando disse que eu era professora, "ganhando bem, hein" disse ele; "temos o mesmo patrão", respondi), sofria com o privilégio de que gozam os bombeiros nas taras e no imaginário social. São sempre eles, os heróis. Isso não deve ser justo a policiais bonitões e simpáticos. Perguntei-me se aquele samango, o não gentil, teria sido um dia gentil e fora brutalmente desiludido pela má fama de sua corporação. Se ele estiver lendo este post, quero mandar esta mensagem de apoio: "Não desista de seus ideais, meganha ex-gentil".


Frases da semana: "Qualquer coisa, não mande sinal de fumaça" (Ricardo)
"Queima os pecados dessa casa, Jesus" (Clara)
"Atividade paranormal" (Peta)
"Estou com você até embaixo das cinzas" (Marcos)
"Hot, hot, hot" (Fernando)



Em tempo: as galinhas de Portugal, do tempo, os pingüins de Ribeirão se safaram. Já a corinthiana da geladeira, veio a falecer degolada. Ponto para o reino animal. 

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Os descartáveis do Brasil

É possível que defender o Facebook como uma grande ferramenta de circulação de ideias e transações culturais, em detrimento de óbvio caráter voyeur, seja truísmo semelhante àquele de que se compra Playboy pelas entrevistas. Mas eu, que encerrei um longo período de resistência a esta rede na semana passada, graças ao incentivo e iniciativa de meu pai, confesso que me impressionei com sua capacidade de alcance. Entre curtições e partenogênese de amigos, já encontrei muitas coisas bacanas. Isso de compartilhar me parece realmente a grande sacada do facebook.

Quando o isolamento e individualismo são regra ordinária, socializar em rede torna-se uma válvula de escape real. As famílias são menores, um quarto para cada irmão, as cartas chegam por computador, não damos carona, cada pessoa tem seu número de telefone particular (ou vários deles). Na semana passada, meu amigo Fernando lamentou que as pessoas sempre escolham o assento mais distante de qualquer outra pessoa, uma observação que não soou inédita a meus ouvidos.

Nesse sentido, praticar a coletividade virou mais uma forma de resistência, embora pareça tão demodé. Ideia semelhante foi expressa pela nota divulgada pelo Centro Acadêmico de Psicologia da USP, sobre o assassinato de um estudante da FEA, dentro do campus da capital. Enquanto a repressão e o individualismo são as respostas esperadas aos atos  a violência e o medo que nos paralizam, o CA propõe o oposto: apropriação do espaço público da universidade pela comunidade e democratização dos debates sobre políticas de segurança. A nota ainda é encerrada com a assinatura do CA. Ideias nunca são uníssonas. Ainda assim, foi um final bonito e cheio de significado. Afinal, tornamo-nos uma sociedade individual, vigiada, rastreada e blindada e nada disso nos deu a sensação de segurança que esperávamos. Ao contrário, amarelamos, impotentes.

Não só indivíduos perdem com isso. Evidentemente, a desarticulação é uma interessante lacuna para a manipulação política. Uma greve de médicos ou bancários sempre depõe contra o governo ou as instituições financeiras, por exemplo. Uma greve docente, que atravesse meses e quilômetros, há anos não incomoda mais ninguém. A marginalização da categoria docente da vida social culmina no cenário patético que segue: temos que provar que existe greve. Essa é para padre Quevedo "Non eczizte greve", ele diria, não fosse nosso antigo conhecido Alkmin fazê-lo por si. Os professores deflagram um movimento grevista, ninguém nota, a mídia conspira contra e viramos vagabundos. Pelo menos vagabundos iluminados, como num Kerouac que o (amado) Dops me emprestou no universo paralelo assisense.

A greve dos professores do Centro Paula Souza é a do momento. Sigamos acompanhando.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Sobre mães, jacarés e bombas (ou a morte e a morte de Osama Bin Laden)

Quando eu era criança, uma época em que a Super Nanny não havia sido radicada para salvar os lares do mundo da desordem e da discóridia, havia apenas mães carinhosas, amorosas, pacientes. Havia também outros tipos de mães. A minha mãe era um desses outros tipos.

Mama África era uma mãe menininha quando comecei a crescer em sua barriga. Culpo-me por isso todos os dias. Mas era uma época que ainda não media as consequencias dos meus atos, essa intrauterina. Mama não estava nem um pouco segura da tarefa que a aguardava para o resto da vida, mas elaborou seus próprios métodos. Foi assim levando, como naquela canção do meu guri.

Para manter-me na cama durante a noite, mama contou-me que havia jacarés embaixo do meu berço. Genial! Jamais ousei sair da cama uma madrugada que fosse, em busca de colo ou socorro e mama teria seu sono merecido. Também jamais ousei levantar-me para ir ao banheiro, o que rendeu inumeráveis manhãs molhadas de xixi. Tá bom, não existe crime perfeito.

Mas o melhor disso tudo é que eu, no auge dos meus quatro anos só tinha que agradecer a minha mama, tão bravia e destemida que me salvava dos jacarés todas as noites. Hoje, sou adulta e complexada, não durmo com o pé descoberto, tenho medo de escuro e pavor de jacarés (um pavor constante, como se a qualquer momento eles pudessem sair de seus brejos e espreitar-me à porta do meu quarto). Mas sou amada pela mama e este sentimento é impagável. Minha mama, fada e herói que sempre me protegeu dos perigos fabricados por ela mesma.

Pelo menos  nunca poderei me queixar de ter vivido uma infância sem emoção. Assim é o medo: o tempero daquele tempo que tem tudo para ser besta. Minha irmã disse uma vez que não gosta de um determinado filme, porque dá tudo certo no final. Quando o medo, a tristeza ou a desgraça é alheia, que mal tem? ou ainda: qual graça haveria de ter um mundo sem bandidos?

Quando no fatídico 11 de setembro de 2001, um atentado ao Estados Unidos parou meu ensaio de teatro por alguns minutos, não dei muita bola (coisa estranha de se dizer). No dia seguinte, um professor disse: "atenção, pois este evento definirá a história do século XXI". "Exageraaaaaado", pensei com igual desdém.

Quase uma década depois (historiadores gostam de contar por décadas, não sei se por um recurso didático ou analítico de fato), a anunciada morte de Osama Bin Laden não passaram de jacarés sob minha cama. Na minha percepção desatenta, ele já morreu pelo menos umas duas outras vezes. Agora, quem ainda tinha medo deste lobo mau?

Sim, muita coisa mudou. Hoje, historiadora de província e de botequim, entendi as consequencias do 11/9: leis de imigração tão rígidas e intransigentes que é melhor ir de Google Earth, ódios burros, pacifismos tapados saindo pelas ruas. Não há mais tropicalistas nem beatles, e a guerra ainda é fetiche de colecionadores, de amadores, de historiadores (como não hovesse outras dores das quais nos ocupar).

A nova morte de Osama veio a calhar no meio da primavera árabe: coincidência semelhante àquela que reelegeu o Bush filho. O mundo é mesmo cheio de irônicos acasos. Mais curioso ainda é ver como o protagonista sempre tem que ser um comedor de sucrilhos.

Esperemos nosso novo inimigo número 1, pois não conseguimos viver em um mundo sem medo desde Adão com a serpente. E para o tio Sam, o show tem que continuar.


*Este depoimento um tanto quanto atrasado é o mais próximo que consegui chegar da minha função de historiadora do tempo presente. Acho que ainda vai demorar para ser uma metralhadora analítica. Ainda bem que temos o Hobsbawm. E eu, meu amigo Joacir.


segunda-feira, 9 de maio de 2011

A mulher cordial (ou procura-se Donna Haraway)

Quisera eu que este fosse um ensaio sociológico ou um esforço analítico sobre alguma categoria social. Que revelasse conclusões entusiasmadas sobre a historicidade do universo feminino ou que atestasse sobre meu arcabouço teórico feminista. Não é também uma tese original. São mais ideias que nasceram bêbadas, sobreviveram a uma ressaca suave e persistente e ganharam minha segunda-feira, quando acabaram por coalhar neste ciberespaço.

A verdade é que não é nem um pouco fácil entender-se mulher e procurar lugar no mundo. E quando digo procurar lugar no mundo, é porque entendo que o mundo não foi feito para mulheres, ah! não foi mesmo. Esta conjectura salta aos olhos em todas as instâncias da realidade: da propaganda que oferece utilidades eletrodomésticas a mulheres, no papo da recém casada orgulhosa porque seu marido "a ajuda". Também na história, queremos caçar a existência do universo feminino soterrada em meio a tantas memórias macho alfa. Quando versamos sobre o papel da mulher na polis ou no engenho, fica ainda mais explícito a função coadjuvante delas.

Este é o mundo dado. A mulher existe, encarna tipos, desempenha papéis. É livre ou submissa, madame ou descolada, matrona ou menina, atirada ou difícil. Mas nunca aparece oficialmente. Dei-me conta disso quando Pedro, no primeiro dia de aula, disse: "Professora, por que só há homens no nosso livro?". Enchi-me de esperança e orgulho. "Desta sensibilidade ingênua pode estar nascendo novos tempos", pensei. Mas a história que se seguiu não tomou o curso que desejei. Outro dia, outro aluno, o Samir me disse "minha mãe não tem que ver meu caderno, porque eu sou homem".

Todas estas questões são doloridas, mas vulgares. Resumir em si o ser essencial e desimportante já faz parte das habilidades inatas ao universo feminino. O que se ganha em troca é a flor, a joia, o micro-ondas o status mãe-do-mundo , nossa senhora. É uma troca injusta. Parimos este mundo masculino e não fazemos parte dele, porca miséria.

 A Haraway ficou para outro dia.


Eu tive que editar este post, por questão de ordem. Nenhuma destas ideias seriam blogadas não fosse Vinícius, um verdadeiro homem ibérico.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Boston tea party

Esta é mais uma história que atesta a favor do poder da conjuntura diante do curso da história.
Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência.
Se você acredita em amor e finais felizes, pare de ler imediatamente.
Tire as crianças do site. Esta história pode conter enredo excessivamente dramático.


Era uma vez Lia, que amava Ernesto, que amava Clio, que amava Bi, que não amava ninguém.
Era uma vez também Polínia, que jamais manteve relação alguma os demais, mas tem a ver com esta história.

Lia ganhou uma bolsa e foi embora, Ernesto morreu de saudades.
Sobraram Clio e Bi.

Um belo dia, encontraram-se no elevador com Polínia.
Como sugestão óbvia do ambiente, seguiu-se conversa sobre amenidades:
"Que dia, não?!", disse Clio.
"Que dia"; "É", responderam os demais.
"Você parece doente, Bi", Clio conjeturou.
"É, estou mal", Bi confirmou visivelmente abatido.

Polínia sabia do antigo amor e sentiu que devia lançar a deixa:
"Clio, por que você não faz uma massagem no Bi?", disse ela.
O coração de Clio palpitou (apesar de anos e cantadas em vão, apesar de todas empreitadas que morreram na praia, não sabe bem o porque, sua esperança parecia sempre infinda).
Bi continuou:
"Estou mesmo precisando de um chá."
"Um chá?", disse Clio.
"Um chá?", disse Polínia.
Seguiram-se risos, gargalhadas de ambas.
...

Naquele dia, Clio arquitetou mais um de seus planos infalíveis: Vestiria-se de apache e jogaria todo o estoque de chá da região ao mar.
Levantou-se e abriu a velha mala de fantasias, à procura daquele cocar.

Espirrou por conta da alergia.
Chorou pelo amor que mais uma vez deixara de consumar.
Sentou-se ao lado da mala.
Contemplou o buquê que conquistara no casamento de sua melhor amiga, há sete anos.
Procurou sua bolsa, acendeu um cigarro e riu.
...

No dia seguinte, jogou sua velha mala fora, usou seu melhor batom vermelho e deu para o primeiro que apareceu. Guardou, contudo, o velho buquê.

E este fora ficou registrado para sempre nos anais do Edifício Alexandrina.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Poema do amor que vem (para quem pergunta que tem)

Tem como vem
e traz consigo
verões
paióis
e tem também a cara linda
suspiro, ais

Tem os olhos
que são tão vivos
pretos
honestos
e tem também aquela parte de trás dos joelhos
que nunca sei o nome

Tem os ombros
largos, redondos
fortes
fracos
e também as unhas das mãos e dos pés
num corte tosco

Tem os pés
grandes, ligeiros
rudes
macios
e também os peitos dos pés e calcanhares
de Aquiles, aqueles

Tem as mãos
ah, que mãos!
estúpidas
burras
e também os cotovelos
que doem, doem

Tem isso e mais
que o despudor
capta
coopta
e também a cópula (meu deus, a cópula)
tão antipoética.

Tem o não tem
não tem
razão
certeza
nem também  urgência
sereno, vem.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

pré-história



A pré-história tem grandes surpresas e perguntas: Como eles conseguiram matar animais grandes? Como achavam as cavernas? Como chegavam em topos de montanhas? Mas você pode descobrir a resposta”.


Foi o que me disse Pedro Luiz.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Patas arriba - luto pelas crianças de Realengo

 “Há cento e trinta anos, depois de visitar o país das maravilhas, Alice entrou num espelho para descobrir o mundo ao avesso. Se Alice renascesse em nossos dias, não precisaria atravessar nenhum espelho: bastaria que chegasse à janela”

Eduardo Galeano em Pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso


Aí o psicólogo da televisão pediu-nos para que conversássemos aberta e francamente com nossas crianças sobre as mortes das crianças do Realengo, acalentando-as: "isso nunca aconteceu no Brasil". Como se a perversão respeitasse fronteiras políticas, como este dado fosse sintomático de uma sociedade menos esquizofrênica.
Nossa racionalidade é capaz de compreender instâncias incrivelmente elaboradas e complexas da vida. Conseguimos entender a radioatividade e a antimatéria. Conseguimos entender a exploração e humilhação do outro. Conseguimos entender a miséria e a fome. Não conseguimos entender a violência.

Vivemos sob a consciência e à espreita da tragédia, somos filhos deste medo. Quando ela vem, existe o choque, a revolta, a politicagem suja, o espetáculo da mídia, pois é hora de usar a criatividade e bolar manchetes desrespeitosas, esdrúxulas. É bonito batizar a tragédia. É bonito fazer discurso anti-prosélitos. É bonito inventar uma capa de jornal marrom. Só não é bonito quando é conosco. 

Sempre é conosco.

A humanidade é una, em suas múltiplas manifestações, acho que foi a Lilia Schwarcz quem disse isso. As meninas e meninos de Realengo ou Columbine, do Bumba ou Haiti são nossas meninas e meninos também.
E  nós? Nós, que temos o hoje e o amanhã que lhes foram arrancados? Cabe o luto ou já sabemos conviver com esta dor ordinária de nossos tempos? É tempo de introspecção ou ação?
É tempo de buscar respostas?

 Como disse Mauro Santayana, não enterremos com as meninas e meninos do Realengo nossos últimos suspiros de humanidade e solidariedade.

Uma leitura humana e atenta deste episódio encontramos no blogue da Maria Frô.


segunda-feira, 4 de abril de 2011

quiproquó

(aí eu)



mó...

(aí ela)



nhá...

(quer saber?)



prá...


E tudo mais o que poderia ter sido dito
e não foi

segunda-feira, 28 de março de 2011

Jonas e a baleia

Um belo dia - Caetano, meu aluno, perguntou-me porque tudo sempre acontece em um belo dia "não pode ser um dia feio ou chuvoso?", disse ele, então mudarei esta introdução para -, ou talvez em um dia nem tão belo assim, em um dos tantos navios que singraram o Atlântico de um lado a outro, estava a formosa Rosa Dacal, que vinha da Cataluña ao Brasil com sus chicos Joaquina e Jonas. Pela triste tragédia sempre presente nestas ousadas travessias, morreu o pequeno Jonas, daquelas pestes de navios. Foi jogado ao mar, sua sepultura última.

Esta história, Rosa contou a sua netinha brasileira, Maria Apparecida. De educação cristã, a menina nunca teve dúvidas: Seu tio Jonas fora aquele famoso, o engolido pela baleia.

segunda-feira, 21 de março de 2011

É o que tem pra hoje*

Esta semana, depois de páginas e páginas do De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso [Patas arriba] do Eduardo Galeano, lidas numa fila que atravessou as horas e o sol poente para dar em nada, recusei-me a morrer na praia.
Como é do meu feitio "viajar grandão" - como diz minha querida Tia Lolô - comecei ali mesmo a articular algumas palavras para um poeminha de circunstância em homenagem àquela triste situação. Pensei, logo desisti. Fui vencida pelo texto que lia, talvez oprimida por ele. Não tenho este espírito competitivo, tampouco o fervente sangre latino de Galeano. Precisaria de um desaforo muito maior ou anos afora para conseguir encadear versos com a sagacidade necessária e sem a amargura do momento. Com os olhos embotados e a garganta trancada pela certeza da minha impotência diante do Cosmos e da gerente,  não saiu mais que este haikai.


Fui aonde não queria estar e fiquei
senti frio, fome e solidão
Saí de lá e bati o carro.





* Este título é uma homenagem a minha afilhada Natália do blogue Let´s Rock!, que, embora recém-carioca, sempre me atualiza das descoladas gírias e expressões paulistanas, como aquela "isso pra mim é 'OK' ".



segunda-feira, 14 de março de 2011

Melissa

O gosto doce, mel
um jeito manso, céu
danças e rumbas, créu
cores e nuvens, léu

telas em branco, pincel
teces enigmas, babel
finais felizes, cordel
colhes da rua, granel

a mão amiga, fiel
fere e corrompe o painel
sempre me diz que, well
a vida é toda Mel.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Continua lindo

Há tempos carnaval significava para mim a agonia em forma de feriado: A mulher pelada do Hans Donner, propaganda idiota de cerveja com mulher pelada, mortes na estrada e mulher pelada, use camisinha e mulher pelada, festa, folia e mulher pelada. Eu não tenho nada contra mulheres peladas, tirando o fato de elas serem gostosas e sensuais de forma tal que jamais serei algum dia, elas que sigam em sua existência nude. Eu não ligo não. Na verdade, sempre pensei que devesse haver um charme nas feias e chatas, e que para elas sempre haveria a cara cheia e os finais de festa.

Acontece que eu fui para o Rio: pela primeira vez um carnaval no Rio. E como previu o Iuri, foi como ir a Roma e ver o Papa, embora eu duvide que ver o Papa deixe pessoas tão extasiadas daquele tesão incontrolável, bêbadas e despreocupadas e mijando em qualquer meio fio. Com tudo isso, a comparação ainda foi justa.
Este carnaval foi como se fosse o meu primeiro. E digo isso tanto com a parcela de exagero que me é característica, quanto com o hiperbolismo que osmoticamente absorvi apenas por estar no Rio. Eu vivi o frenesi de ter a vida mudada pela bugiganga do 011-1406 e o gozo invertido que é o nascer, como diz o Tom Zé. Nasci para o carnaval naquele sábado.

E fui descobrindo a cada alalaô por que o Rio de Janeiro é um lugar tão impressionante. Não é preciso sensibilidade alguma para admirá-lo. Tudo no Rio é estúpido, sem vaselina: a beleza daqueles contornos, as ondas que nos sacodem revelando nossas partes sem discrição, os pés que multiplicam-se em centenas e centenas de passos por minuto, as bundas de toda sorte que passam sem pedir licença, a festa em blocos que atropelam a miséria dormida serenamente nas calçadas sob o suvaco do Cristo. Tudo isso é muito diferente de São Paulo, cuja beleza excêntrica só Caetano conseguiu - com algum esforço - captar.
Fora do Rio, ouvir samba ou  bossa é fora de contexto e não passa de uma quase lembrança, etérea e latente, daqueles tempos de lá.

Passados o tesão incontrolável, a embriaguez e a vontade de mijar na rua, ou pelo menos grande parte disso tudo - o que aconteceu em algum momento entre os pedágios da Dutra e meu despertador que voltou a trabalhar às cinco e meia nesta quinta feira - conclui que foi grande ingenuidade minha odiar carnaval. Nada seria tão legítimo quanto esta festa se não fosse bom, se nela não coubessem todos - dos libertários aos reaças, do samba e da bossa, do cume e do sopé. Brincar o carnaval é dado a priori. Finalmente aprendi que quem não gosta de samba -não tem jeito -  não pode ser bom sujeito.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Txai*

Eu também tenho meus onomásticos. Este nasceu em um guardanapo de aniversário.


Caio
cogita e
custa a
ceder.



*dos Kaxinawá, do Acre

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Universe in disenchantment

Li certa vez na contracapa de um livro que tenho do Gabito - o "A revoada (O enterro do diabo)" [La Hojarasca] - que "todo bom romance devia ser uma transposição poética da realidade". E digo um livro que tenho, pois foi esta minha única relação com o livro, até hoje. Nunca sequer o abri. Mas gosto que ele exista ali na estante, com aquela presença cruel dos livros que exigem ser lidos.

Na semana passada, minha amiga artista, a Melissa, disse que sou muito profunda. No embaraço, concordei: em tudo percebo graça e sentido e não vejo remédio para isso. E se alguém tiver, me dê receita, porque nunca resisto em mergulhar na surrealidade cotidiana. Outro amigo, o Vi, em seu blogue 'Tempo Líquido', percebeu que há alguns recônditos do universo racional que não encontramos na sobriedade.

E o universo racional também padece de revoluções. Quando o dente da Alice ficou mole, fiz o papel de tia pedagógica para acalentar seu espanto da janelinha iminente. Vasculhei no youtube alguns vídeos para mostrar a ela que não se tratava de um momento assim tão terrível. E olha só o que encontrei: uma menina se despedindo de seu dente lácteo - como a  galáxia? - ao som de Tim Maia. Veja lá isto e me diga: só eu que achei sensacional?



segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Paulianas nº1

Por tudo o que vive
ou não

os estandartes
os monumentos
os instrumentos
vãos

os elementos
os pensamentos
os movimentos
vão

Por todas as farsas
por quem crê
planta e recolhe
grãos

eu vou
perdidamente
são

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Saiu na folha.com

Vacas leiteiras podem ajudar na produção de biocombustíveis


Concordo. Mais uma vez a folha mandou dentro! Essa vida de ficar de lá para cá no pasto, tomando chuva de granizo no lombo e se espremendo em leite está fácil demais.
O mundo precisa de biocombustíveis e as vacas podem e devem ajudar! Aliás, não só as vacas, como também os cães e os porcos, os porcolitros e galinhas. E, num futuro próximo - quem sabe? - os animais selvagens.

Seria o contrário da revolução de Orwell e eu já posso imaginar a linha de produção. Os animais quem têm por habitat a periferia capitalista cuidarão das lavouras: as onças pintadas fariam a segurança latifundiária, expulsando invasores oportunistas. As jiboias sulcariam as terras com seus corpos roliços e pesados. Adestrados, beija-flores e araras germinariam o solo. Já o fazem há anos, não poderão nem nos acusar de interferir no ecossistema. Os micos-leões, ainda não sei... poderiam usar suas pequenas mãozinhas para descascar as mamonas ou separar as sementes. Apesar de que, com aquele rostinho cheio de expressões humanas em micro-miniatura poderiam chegar em um cargo de gerência. Sei lá.

Neste futuro que nos bate à porta, os peixes de água doce serão transferidos para aquários ultra modernos e interativos. Com um touch, a mulher neurótica da neocontemporaneidade escolherá sua pesca. Os rios estarão ocupados por um tráfego intenso de esquadras não tripuladas levando suprimentos do interior ao litoral. E nem maria-fumaças nem violeiros andarilhos percorrerão as velhas carcomidas ferrovias.

Nas indústrias, símios intelectualmente semelhantes a humanos substituirão seu trabalho e serão orientados por vídeo-conferências de chimpanzés. Não os novaiorquinos, aqueles arrogantes. Nem os londrinos, muito caretas! Mas talvez os sul-africanos, guatemaltecas ou hindus. E a macacada, que nunca foi boba nem nada, aprenderá a mexer os quadris seguindo o ritmo ancestral de além-mar.

Nós, humanos, não teremos com o que nos preocupar. Não haverá mais trabalho, nem exploração de semelhantes, nem a máxima especialização. Esvaziar-se-ão as faculdades e academias, ninguém mais precisará disso. Com o fim do happy hour, os botecos falirão. Bom, a evolução presume alguns prejuízos.

Analfabetas, as novas gerações trancar-se-ão em ambientes virtuais, queimarão todos os livros. Será uma era de prosperidade jamais imaginada por nossa espécie.
E ninguém se lembrará de agradecer às vacas leiteiras.