Porcolitro

Porcolitro era um leite muito safadinho, derramava sempre. Os outros litros falavam para ele: cuidado, você vai acabar sujando tudo. Mas o litro não estava nem aí, todo dia fazendo a mesma coisa. Até que um dia veio uma fada e transformou o litro em porco, num porcolitro, que protagonizou mil aventuras...



Créditos das aventuras de Porcolitro: Milton Nascimento e Maria Dolores Duarte.
As aventuras a seguir são por minha conta.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Maria

E agora, Maria?
A festa acabou,
o povo vazou,
ficou só, te pergunto:
não era o que queria?
Maria,
então não deveria
ter cortado o som,
regulado a bebida,
censurado a orgia,
e agora, Maria?


Quem a qualquer hora
do dia ou da noite
suplantará sua solidão,
aliviará sua agonia?
Não, não me venha,
com seu papo barato
seus ritos, seus ditos,
sua mitologia,
suas teses, sudorese,
receitas com maionese
agridoces, hidroponia.
Deixa disso, Maria!


Houve um tempo,
eu me lembro
que brincamos
batalhamos
guerras de canudos
e melancia.


Se você dissesse
que só por um dia
poderíamos voltar
a trocar, xeretar
nossas manhas,
façanhas, planos
e manias,
nossos medos, anseios,
nossos maiores segredos,
nossa gula, angústias,
nossos amores perdidos
entre outras fobias;


eu contraproporia,
Maria,
que destes tempos,
sentimentos,
não podem sobrar
apenas fotografias,
bilhetes, medalhas
condecorando paredes,
baús ou quaisquer
gavetas vazias.


Vem comigo, Maria,
não sou dada a feitiços,
amuletos, huacas,
rezas, simpatia,
mas tenho uma crença
ou desconfiança:
bom destino não espera.
Ou se corre, ou esfria.
Tomemos então este bonde,
Maria!
Maria, pra onde?

.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Não existe dia dos namorados do lado de baixo do Equador

Um fantasma ronda a sociedade: o fantasma do amor livre. Todas as potências da Verlharquia brasileira unem-se em uma Santa Aliança para conjurá-lo...
É tempo dos amantes exporem, à face do mundo inteiro, seu modo de ver, seus fins e suas tendências, opondo um manifesto deste movimento à lenda do espectro do amor livre.

O amor é lindo. Ou não! Aliás, nunca a retórica caetaneana serviu tão bem: Vivemos em um país livre e democrático. Ou não! O estado brasileiro é laico. Ou não! Ou sim! Ou não! Não!

Quão ridículo não é passar o 12 de junho, sobreviver aos assédios dos comerciantes, contemplar as histórias mais puras e castas de romances pelos programas de tevê. Ou não! Propagandas picantes, sugestões eróticas, reportagens sobre performances sexuais inusitadas. Isso tudo me diz: "Homem: seja um ousado cavalheiro!"; "Mulher: seja uma safada pudica". Desde que - é claro, está implícito! - preserve-se a devida heterossexualidade.
Ah, não, namorados! Não me venham com bichices*.

No blogue do Sakamoto, um post da semana passada denunciava o marketing do dia dos namorados que coloca a mulher em seu devido lugar. "Você, maridão? Por que não dá uma lava-louças para sua mulher? (Afinal, a obrigação com a manutenção da casa é toda dela, acrescenta-se.)" Ou então "Você, mulher? Por que não compra esta lava-louças e vai para a academia? (Sua baranga, acrescenta-se.)"

Agora, às vésperas do passo gigantesco rumo à democracia plena, a aprovação da PLC122 (que criminaliza preconceito e discriminação de gênero, orientação sexual e identidade de gênero - homofobia), milhões mobilizam-se em torno deste fundamentalismo religioso inculto e bárbaro. O bolsonarismo não é uma onda do momento. Quem nunca viu gente culta e civilizada dizendo que a aprovação da PLC 122 vai incentivar a homossexualidade? - Ha! Desde quando nosso tesão é pau mandado de lei? Essa é das boas.

Este vídeo, circulando pela internet, foi indicação do meu amigo Joe. Nele, a marcha da família contra a PL122 é comparada às multidões nazistas.


É muito problemático defender a liberdade religiosa de quem difama; inflama, justifica e aplaude o ódio e o preconceito contra as possibilidades sexuais e afetivas de outros. Ainda mais quando este ódio deságua em uma violência como praxis contra  homossexuais, transexuais e transgêneros.

Ninguém pode se calar diante disso. Porque cada vez que um casal não puder manifestar seu amor, o direito universal de amar será violado.


Os amantes nada têm a perder a não ser suas algemas. Têm um mundo a ganhar.
Namoradas e namorados do mundo, uni-vos!

terça-feira, 7 de junho de 2011

Romper tratados, trair os ritos

Outro dia, em um protesto em Mongaguá, um professor do movimento grevista da ETEC protagonizou uma arriscada manobra: ofereceu uma flor ao governador Alckmin e, quando este aceitou, habilmente sequestrou-lhe o microfone das mãos e pôs-se a conduzir as animadas rimas que movimentam os  protestos.

Mas que atitude donjuanesca! Será universal minha percepção de que a subversão tenha algo de sexy? Ah! Uma subversão elegante dessas é para desmanchar qualquer coração de grevista, mais durona que seja. Aliás, um protesto, passeata ou marcha deve mesmo ser lugar interessante para encontrar um amor para sua vida, o Xico Sá mandou essa na semana passada no seu blogue. Ok, um amor para a vida deve ser exagero, mas umazinha para o fim de semana, com um idealista barbado, embriagados de rum e de Buena Vista não deve fazer mal a ninguém, há de se admitir. Para além dos prazeres intelectuais e mundanos, o tal "amor de passeata" pode até ter um happy end. É pagar para ver.

A gentileza revolucionária também passou pela Marcha da Liberdade. Em resposta à violenta repressão policial na Marcha paulista da Maconha, os manifestantes distribuíram flores aos policiais. Inicialmente, marchar pela liberdade pareceu-me bem burguês-século-XIX. Mas o movimento foi bonito! Entre passos, cantos e flores, há quem tenha ouvido ecoar "Hey, polícia, maconha é uma delícia!". Então, protestamos pelo prazer.

Finalmente a subversão assumiu seu lado poético para além dos parnasianos versinhos de marcha! Somos nestes dias todos gays, mães, maconheiros e vadias. Protestamos de lingerie, amamentando, distribuindo flores e perfume. Avant garde da subversão. Tudo muda o tempo todo. Pero, sin perder la ternura. Siempre.