Porcolitro

Porcolitro era um leite muito safadinho, derramava sempre. Os outros litros falavam para ele: cuidado, você vai acabar sujando tudo. Mas o litro não estava nem aí, todo dia fazendo a mesma coisa. Até que um dia veio uma fada e transformou o litro em porco, num porcolitro, que protagonizou mil aventuras...



Créditos das aventuras de Porcolitro: Milton Nascimento e Maria Dolores Duarte.
As aventuras a seguir são por minha conta.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Sobre mães, jacarés e bombas (ou a morte e a morte de Osama Bin Laden)

Quando eu era criança, uma época em que a Super Nanny não havia sido radicada para salvar os lares do mundo da desordem e da discóridia, havia apenas mães carinhosas, amorosas, pacientes. Havia também outros tipos de mães. A minha mãe era um desses outros tipos.

Mama África era uma mãe menininha quando comecei a crescer em sua barriga. Culpo-me por isso todos os dias. Mas era uma época que ainda não media as consequencias dos meus atos, essa intrauterina. Mama não estava nem um pouco segura da tarefa que a aguardava para o resto da vida, mas elaborou seus próprios métodos. Foi assim levando, como naquela canção do meu guri.

Para manter-me na cama durante a noite, mama contou-me que havia jacarés embaixo do meu berço. Genial! Jamais ousei sair da cama uma madrugada que fosse, em busca de colo ou socorro e mama teria seu sono merecido. Também jamais ousei levantar-me para ir ao banheiro, o que rendeu inumeráveis manhãs molhadas de xixi. Tá bom, não existe crime perfeito.

Mas o melhor disso tudo é que eu, no auge dos meus quatro anos só tinha que agradecer a minha mama, tão bravia e destemida que me salvava dos jacarés todas as noites. Hoje, sou adulta e complexada, não durmo com o pé descoberto, tenho medo de escuro e pavor de jacarés (um pavor constante, como se a qualquer momento eles pudessem sair de seus brejos e espreitar-me à porta do meu quarto). Mas sou amada pela mama e este sentimento é impagável. Minha mama, fada e herói que sempre me protegeu dos perigos fabricados por ela mesma.

Pelo menos  nunca poderei me queixar de ter vivido uma infância sem emoção. Assim é o medo: o tempero daquele tempo que tem tudo para ser besta. Minha irmã disse uma vez que não gosta de um determinado filme, porque dá tudo certo no final. Quando o medo, a tristeza ou a desgraça é alheia, que mal tem? ou ainda: qual graça haveria de ter um mundo sem bandidos?

Quando no fatídico 11 de setembro de 2001, um atentado ao Estados Unidos parou meu ensaio de teatro por alguns minutos, não dei muita bola (coisa estranha de se dizer). No dia seguinte, um professor disse: "atenção, pois este evento definirá a história do século XXI". "Exageraaaaaado", pensei com igual desdém.

Quase uma década depois (historiadores gostam de contar por décadas, não sei se por um recurso didático ou analítico de fato), a anunciada morte de Osama Bin Laden não passaram de jacarés sob minha cama. Na minha percepção desatenta, ele já morreu pelo menos umas duas outras vezes. Agora, quem ainda tinha medo deste lobo mau?

Sim, muita coisa mudou. Hoje, historiadora de província e de botequim, entendi as consequencias do 11/9: leis de imigração tão rígidas e intransigentes que é melhor ir de Google Earth, ódios burros, pacifismos tapados saindo pelas ruas. Não há mais tropicalistas nem beatles, e a guerra ainda é fetiche de colecionadores, de amadores, de historiadores (como não hovesse outras dores das quais nos ocupar).

A nova morte de Osama veio a calhar no meio da primavera árabe: coincidência semelhante àquela que reelegeu o Bush filho. O mundo é mesmo cheio de irônicos acasos. Mais curioso ainda é ver como o protagonista sempre tem que ser um comedor de sucrilhos.

Esperemos nosso novo inimigo número 1, pois não conseguimos viver em um mundo sem medo desde Adão com a serpente. E para o tio Sam, o show tem que continuar.


*Este depoimento um tanto quanto atrasado é o mais próximo que consegui chegar da minha função de historiadora do tempo presente. Acho que ainda vai demorar para ser uma metralhadora analítica. Ainda bem que temos o Hobsbawm. E eu, meu amigo Joacir.


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