Porcolitro

Porcolitro era um leite muito safadinho, derramava sempre. Os outros litros falavam para ele: cuidado, você vai acabar sujando tudo. Mas o litro não estava nem aí, todo dia fazendo a mesma coisa. Até que um dia veio uma fada e transformou o litro em porco, num porcolitro, que protagonizou mil aventuras...



Créditos das aventuras de Porcolitro: Milton Nascimento e Maria Dolores Duarte.
As aventuras a seguir são por minha conta.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Mudar o mundo

Revoluções não nascem em um dia. Engendram-se das contradições das próprias estruturas, corroem-nas, explodem-nas, ou não: implodem-nas e diluem-nas em outra coisa, outra estrutura ou várias delas.
Se pudéssemos estabelecer ao menos uma lei social, seria esta: sociedades são sempre dinâmicas. Dinâmicas e (des)governadas por ideologias, poder, tradições, mas também por insurreições, rebeldias, cataclismos. 
Não existe tal coisa qual a sociedade fóssil, tampouco a ideologia perene. 
Buscar e entender permanências em detrimento de rupturas pode ter se tornado um instrumento analítico eficaz no estudo da história, porque descortina mudanças ilusórias, revelando a manutenção cruel do status quo.
Por outro lado, é apenas fora da torre de observação acadêmica, com os pés no chão, que podemos ver que  mudanças só não acontecem quando não são feitas por nós.

A era da pulverização
Quem fala de sociedade e não pensa no velho Marx não tem juízo (nem coração). Quase duzentos anos depois de Marx, a despeito do esforço da tal da intelligentsia, o senso ordinário não abandonou a noção de classe, o capitalismo continua gerando desigualdade, alimentando tensões sociais e principalmente desenvolvendo-se dentro de contradições indissolúveis.

Entretanto, o hegeliano escatológico e universalista (e romântico?) Marx em seu século XIX não pôde prever que as os processos revolucionários em direção ao comunismo se desenvolvessem fora do eixo central do capitalismo. Também tropeçou ao contar com uma ideologia revolucionária de classe. Talvez porque o sistema capitalista tenha suas artimanhas, talvez porque as pessoas são menos solidárias do que se imaginou.

A segunda metade do século XX caracterizou-se pela conformação de movimentos cujos avatares sociais afastavam-se do tradicional ou oficial. Em detrimento da religião, nação e família, ou de uma "condição social" o elemento identitário estava fragmentado em pequenas esferas sociais, com destaque para a etnia, o gênero e a sexualidade, mas não restrita a eles. Estes grupos sociais, embora não excludentes entre si, possuem reivindicações bastante específicas. Determinados por ou determinantes de uma nova visão de Estado, poder e relações sociais, o palco destes novos agentes foi um mundo de poder diluído, de desejos restritivos e individualizantes e a ideologia dissipada. Embora, como observou Hobsbawm, a maior parte deles estivesse alinhada com ideologias de esquerda.

A ideologia de minorias
Tais minorias assim se caracterizam não porque sejam inexpressivas numericamente, mas porque almejam status e tratamento diferenciado.
Aparentemente, a (des)articulação social em minorias oferece vantagens: Na linguagem darwinista econômica, o sucesso é mesmo para os poucos. Nas entranhas das políticas estatais, você goza de vantagens por não se alinhar às coletividades.
Entretanto, ainda que não travestida de bandeira de luta, a tensão entre grupos sociais (complexamente) complementares e antagônicos não deixou de existir. Ela está manifesta no esfacelamento das instituições mantenedoras do status burguês, burladas pelas elites econômicas que manipulam o Estado, pelos discursos mercadológicos de ascenção social; ou  pelas camadas populares que solenemente ignoram o saber formal, canônico e elitista.
Isto é, evidentemente, existe opressão por parte dos detentores do capital por um lado, tanto quanto de outro há uma possibilidade latente de rebelião popular, cuja válvula de escape são as pequenas rebeldias de cada dia. Estas que dizem que há algo fora da ordem e que a ideologia dominante, na verdade, não domina e é confrontada a cada dia pela desobediência.

A situação revolucionária
Talvez eu seja a última romântica em perceber (ou forçar uma barra para ver) uma obscura consciência de classe ou um desejo inconsciente de mudança. 
Contudo, na onda da hipervalorização do indivíduo, é truísmo caracterizar grupos humanos por suas particularidades.
Ousado é enxergar e construir horizontes comuns, sem ser universalizante (e imperialista), aniquilar as diferenças que nos inferiorizam, sem anular aquelas que caracterizam nossa identidade.

A individualização, o egoísmo, a "ideologia de minorias", a diluição do poder em micro-esferas são virtuais, no sentido que são categorias analíticas mais que dados de realidade. Se estamos presos neste labirinto do sistema, é apenas porque nos sujeitamos a pertencer a minorias.

O problema aqui é que não há horizonte senão na associação e na coletividade. Mas também é que a transformação é uma ideia demodé.
Os pós-modernos continuam acertando muitos e tantos pontos. Mas se é para enxergar além e e caminhar adiante, o ponto vai para Marx.
E então, Vinícius, são encruzilhadas ou confluências? Como mudar o mundo se Foucault e Marx não fizerem as pazes?




3 comentários:

  1. 1x0 pro Marx. Aguardando o Vinícius empatar o jogo pro Foucault.

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  2. A Revolução é a tomada dos meios de produção pelas classes que trabalham neles, mas não obtém o produto de seu trabalho, concentrado nas mãos da burguesia. Tais classes são os camponeses, operários e trabalhadores urbanos.

    O ator da mudança deve ser a classe e aí mora o problema: a identidade e a consciência de classe está em refluxo. O movimento sindical e sem terra, que as mobilizam perderam apelo. Hoje, tais identidades que se definem pela economia, por uma posição na produção não algutinam como as identidades étnicas, de gênero e reiligião - como as minorias, que não são revolucionárias como seu texto aponta.

    Para haver essa grande mudança, resta se perguntar sobre a identidade de classe, como ela se forma? Há expressões populares se desenvolvendo, como o movimento de saraus de periferia; e há mobilizações populares, embora estejam adormecidas, talvez desde o impeachment do Collor (exceto as mobilizações estudantis, que como apontou Hobsbawn, não podem fazer a revolução, mas podem detoná-la chamando os trabalhadores a fazê-la).

    Resta ver quando o popular é, de fato, revolucionário. Afinal, o facismo dos anos 30 se baseou em mobilizações populares. O popular é revolucionário na primavera árabe? Nas mobilizações de minorias na Inglaterra? Me faltam respostas.

    Uma indicação boa - meu amigo Chico, marxista convicto se perguntou como se formou a identidade operária em São Bernardo, que sustentou a greve metalúrgica de 51 dias, em 1980, com todo o aparato do governo militar em São Bernardo. Uma linda dissertação: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-15122010-111827/pt-br.php

    Quanto a mudança, não acho que a estática ganha o jogo social (como se apressou para dizer o Fukuyama). Há sempre mudança e nem sempre com proveito para as classes dominantes.

    E sobre Marx, não saímos dele. A discussão se faz toda em sua teoria. E mesmo que o critiquemos, em qualquer análise história vamos levar em conta o contexto material, econômico e os conflitos que dele surgem.

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  3. kkkkk Ai Fernando, se fosse tipo futebol dos filósofos os marxistas estariam na série D.

    Vi, também não vejo atributos revolucionários (no sentido de ser organizado e consciente a ponto de inverter ou sacudir a ordem) no popular. Como também não vejo nos escravos ou negros livres nos trezentos anos de escravidão. Vejo nada além do sistema que se desgasta aos poucos. E da minha necessidade e de outros poucos em enxergar estes horizontes.
    Também não dá pra dizer que não há futuro que não o da dominação burguesa. Faz parte da nossa geração ser avesso às adivinhações futurísticas. Mas também não podemos deixar este (longo) presente nos cegar. Há saída, sim.

    Sobre a revolução em si, acho que já virou outro conceito virtual. Muitos eventos podem sê-lo - ou não - dependendo do olhar analítico. Conciliando o careca e o barbudo, a revolução hoje não seria apenas a tomada dos meios de produção, entendido que o poder não advém somente da posse destes.

    O fato é que mesmo 'os donos do poder' entenderam que sem (usando os termos da Calá) a valorização social, jurídica e econômica dos grupos oprimidos, nem o sistema vai pra frente.
    ...

    Eu estou engajada nessa "por Marx", porque, como diz meu velho professor, "prá falar contra já tem muita gente".
    Entendo que o poder se manifesta e se mantém por meio de uma estrutura complexa. Mas nem por isso ficaremos parados, amarelos e medrosos.

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