Porcolitro

Porcolitro era um leite muito safadinho, derramava sempre. Os outros litros falavam para ele: cuidado, você vai acabar sujando tudo. Mas o litro não estava nem aí, todo dia fazendo a mesma coisa. Até que um dia veio uma fada e transformou o litro em porco, num porcolitro, que protagonizou mil aventuras...



Créditos das aventuras de Porcolitro: Milton Nascimento e Maria Dolores Duarte.
As aventuras a seguir são por minha conta.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Homens de farda e outras taras

Não é todo dia que nossa casa pega fogo. E eu, que nunca quis fazer do Porcolitro um diário de bordo, não pude conter o ímpeto de compartilhar esta aventura que inspirou os mais (e menos) ousados trocadilhos.

Fato: pais viajando, crianças em casa... situação de altíssimo risco. Ocorre que, em vez de promover um bacanal, experimentar drogas raras, acordar ao lado de um completo desconhecido com um balde de vômito e descobrir que aquela porcelana chinesa do século XIV está quebrada para nunca mais, em vez de estourar o limite do cartão de crédito de emergência, em vez de tudo isso, as crianças decidiram botar fogo em casa e não no sentido metafórico do termo.

A vida até corria bem nesse fim de semana: eu teclando com o amigo Iuri, reclamando do frio cortante, enquanto as coisas iam ficando quentes, mais quentes que nunca. O estopim: uma batata fritando e novo filme da Sharpay para começar. Os agravantes: alguém que achou que se apagaria a labareda jogando água (de longe) e outro que não sabia apertar o gatilho do extintor de incêndio.

Seria este o cenário do trágico fim de quatro donzelas indefesas, não fosse o heróico e destemido vizinho apagar nosso fogo e os quinze homens, enfermeiros, policiais, e - é claro - os bombeiros másculos com seu mangueirão característico.
Fosse eu mais  ligeira, teria fingindo um desmaio ou palpitação:  aquela cena, eu em trajes mínimos, bombeiros a meu redor, perguntando meu nome, telefone estado civil (hehehe)... De fato, como no provérbio chinês, a oportunidade perdida não volta mais. Lembrei logo de um tempo distante em que a (amada) Carla e eu compartilhávamos nossas taras por homens de uniforme.

Aí dizia eu para o gentil policial: "por favor, queremos que conste no Boletim de Ocorrência que nós contatamos o corpo de bombeiros", ao que seu parceiro respondeu "ué, não sei porque isso tudo quando fala de bombeiros, o que têm os bombeiros para causar tanto alvoroço?".

Naquele momento entendi: aquele policial, o não gentil (que riu quando disse que eu era professora, "ganhando bem, hein" disse ele; "temos o mesmo patrão", respondi), sofria com o privilégio de que gozam os bombeiros nas taras e no imaginário social. São sempre eles, os heróis. Isso não deve ser justo a policiais bonitões e simpáticos. Perguntei-me se aquele samango, o não gentil, teria sido um dia gentil e fora brutalmente desiludido pela má fama de sua corporação. Se ele estiver lendo este post, quero mandar esta mensagem de apoio: "Não desista de seus ideais, meganha ex-gentil".


Frases da semana: "Qualquer coisa, não mande sinal de fumaça" (Ricardo)
"Queima os pecados dessa casa, Jesus" (Clara)
"Atividade paranormal" (Peta)
"Estou com você até embaixo das cinzas" (Marcos)
"Hot, hot, hot" (Fernando)



Em tempo: as galinhas de Portugal, do tempo, os pingüins de Ribeirão se safaram. Já a corinthiana da geladeira, veio a falecer degolada. Ponto para o reino animal. 

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Os descartáveis do Brasil

É possível que defender o Facebook como uma grande ferramenta de circulação de ideias e transações culturais, em detrimento de óbvio caráter voyeur, seja truísmo semelhante àquele de que se compra Playboy pelas entrevistas. Mas eu, que encerrei um longo período de resistência a esta rede na semana passada, graças ao incentivo e iniciativa de meu pai, confesso que me impressionei com sua capacidade de alcance. Entre curtições e partenogênese de amigos, já encontrei muitas coisas bacanas. Isso de compartilhar me parece realmente a grande sacada do facebook.

Quando o isolamento e individualismo são regra ordinária, socializar em rede torna-se uma válvula de escape real. As famílias são menores, um quarto para cada irmão, as cartas chegam por computador, não damos carona, cada pessoa tem seu número de telefone particular (ou vários deles). Na semana passada, meu amigo Fernando lamentou que as pessoas sempre escolham o assento mais distante de qualquer outra pessoa, uma observação que não soou inédita a meus ouvidos.

Nesse sentido, praticar a coletividade virou mais uma forma de resistência, embora pareça tão demodé. Ideia semelhante foi expressa pela nota divulgada pelo Centro Acadêmico de Psicologia da USP, sobre o assassinato de um estudante da FEA, dentro do campus da capital. Enquanto a repressão e o individualismo são as respostas esperadas aos atos  a violência e o medo que nos paralizam, o CA propõe o oposto: apropriação do espaço público da universidade pela comunidade e democratização dos debates sobre políticas de segurança. A nota ainda é encerrada com a assinatura do CA. Ideias nunca são uníssonas. Ainda assim, foi um final bonito e cheio de significado. Afinal, tornamo-nos uma sociedade individual, vigiada, rastreada e blindada e nada disso nos deu a sensação de segurança que esperávamos. Ao contrário, amarelamos, impotentes.

Não só indivíduos perdem com isso. Evidentemente, a desarticulação é uma interessante lacuna para a manipulação política. Uma greve de médicos ou bancários sempre depõe contra o governo ou as instituições financeiras, por exemplo. Uma greve docente, que atravesse meses e quilômetros, há anos não incomoda mais ninguém. A marginalização da categoria docente da vida social culmina no cenário patético que segue: temos que provar que existe greve. Essa é para padre Quevedo "Non eczizte greve", ele diria, não fosse nosso antigo conhecido Alkmin fazê-lo por si. Os professores deflagram um movimento grevista, ninguém nota, a mídia conspira contra e viramos vagabundos. Pelo menos vagabundos iluminados, como num Kerouac que o (amado) Dops me emprestou no universo paralelo assisense.

A greve dos professores do Centro Paula Souza é a do momento. Sigamos acompanhando.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Sobre mães, jacarés e bombas (ou a morte e a morte de Osama Bin Laden)

Quando eu era criança, uma época em que a Super Nanny não havia sido radicada para salvar os lares do mundo da desordem e da discóridia, havia apenas mães carinhosas, amorosas, pacientes. Havia também outros tipos de mães. A minha mãe era um desses outros tipos.

Mama África era uma mãe menininha quando comecei a crescer em sua barriga. Culpo-me por isso todos os dias. Mas era uma época que ainda não media as consequencias dos meus atos, essa intrauterina. Mama não estava nem um pouco segura da tarefa que a aguardava para o resto da vida, mas elaborou seus próprios métodos. Foi assim levando, como naquela canção do meu guri.

Para manter-me na cama durante a noite, mama contou-me que havia jacarés embaixo do meu berço. Genial! Jamais ousei sair da cama uma madrugada que fosse, em busca de colo ou socorro e mama teria seu sono merecido. Também jamais ousei levantar-me para ir ao banheiro, o que rendeu inumeráveis manhãs molhadas de xixi. Tá bom, não existe crime perfeito.

Mas o melhor disso tudo é que eu, no auge dos meus quatro anos só tinha que agradecer a minha mama, tão bravia e destemida que me salvava dos jacarés todas as noites. Hoje, sou adulta e complexada, não durmo com o pé descoberto, tenho medo de escuro e pavor de jacarés (um pavor constante, como se a qualquer momento eles pudessem sair de seus brejos e espreitar-me à porta do meu quarto). Mas sou amada pela mama e este sentimento é impagável. Minha mama, fada e herói que sempre me protegeu dos perigos fabricados por ela mesma.

Pelo menos  nunca poderei me queixar de ter vivido uma infância sem emoção. Assim é o medo: o tempero daquele tempo que tem tudo para ser besta. Minha irmã disse uma vez que não gosta de um determinado filme, porque dá tudo certo no final. Quando o medo, a tristeza ou a desgraça é alheia, que mal tem? ou ainda: qual graça haveria de ter um mundo sem bandidos?

Quando no fatídico 11 de setembro de 2001, um atentado ao Estados Unidos parou meu ensaio de teatro por alguns minutos, não dei muita bola (coisa estranha de se dizer). No dia seguinte, um professor disse: "atenção, pois este evento definirá a história do século XXI". "Exageraaaaaado", pensei com igual desdém.

Quase uma década depois (historiadores gostam de contar por décadas, não sei se por um recurso didático ou analítico de fato), a anunciada morte de Osama Bin Laden não passaram de jacarés sob minha cama. Na minha percepção desatenta, ele já morreu pelo menos umas duas outras vezes. Agora, quem ainda tinha medo deste lobo mau?

Sim, muita coisa mudou. Hoje, historiadora de província e de botequim, entendi as consequencias do 11/9: leis de imigração tão rígidas e intransigentes que é melhor ir de Google Earth, ódios burros, pacifismos tapados saindo pelas ruas. Não há mais tropicalistas nem beatles, e a guerra ainda é fetiche de colecionadores, de amadores, de historiadores (como não hovesse outras dores das quais nos ocupar).

A nova morte de Osama veio a calhar no meio da primavera árabe: coincidência semelhante àquela que reelegeu o Bush filho. O mundo é mesmo cheio de irônicos acasos. Mais curioso ainda é ver como o protagonista sempre tem que ser um comedor de sucrilhos.

Esperemos nosso novo inimigo número 1, pois não conseguimos viver em um mundo sem medo desde Adão com a serpente. E para o tio Sam, o show tem que continuar.


*Este depoimento um tanto quanto atrasado é o mais próximo que consegui chegar da minha função de historiadora do tempo presente. Acho que ainda vai demorar para ser uma metralhadora analítica. Ainda bem que temos o Hobsbawm. E eu, meu amigo Joacir.


segunda-feira, 9 de maio de 2011

A mulher cordial (ou procura-se Donna Haraway)

Quisera eu que este fosse um ensaio sociológico ou um esforço analítico sobre alguma categoria social. Que revelasse conclusões entusiasmadas sobre a historicidade do universo feminino ou que atestasse sobre meu arcabouço teórico feminista. Não é também uma tese original. São mais ideias que nasceram bêbadas, sobreviveram a uma ressaca suave e persistente e ganharam minha segunda-feira, quando acabaram por coalhar neste ciberespaço.

A verdade é que não é nem um pouco fácil entender-se mulher e procurar lugar no mundo. E quando digo procurar lugar no mundo, é porque entendo que o mundo não foi feito para mulheres, ah! não foi mesmo. Esta conjectura salta aos olhos em todas as instâncias da realidade: da propaganda que oferece utilidades eletrodomésticas a mulheres, no papo da recém casada orgulhosa porque seu marido "a ajuda". Também na história, queremos caçar a existência do universo feminino soterrada em meio a tantas memórias macho alfa. Quando versamos sobre o papel da mulher na polis ou no engenho, fica ainda mais explícito a função coadjuvante delas.

Este é o mundo dado. A mulher existe, encarna tipos, desempenha papéis. É livre ou submissa, madame ou descolada, matrona ou menina, atirada ou difícil. Mas nunca aparece oficialmente. Dei-me conta disso quando Pedro, no primeiro dia de aula, disse: "Professora, por que só há homens no nosso livro?". Enchi-me de esperança e orgulho. "Desta sensibilidade ingênua pode estar nascendo novos tempos", pensei. Mas a história que se seguiu não tomou o curso que desejei. Outro dia, outro aluno, o Samir me disse "minha mãe não tem que ver meu caderno, porque eu sou homem".

Todas estas questões são doloridas, mas vulgares. Resumir em si o ser essencial e desimportante já faz parte das habilidades inatas ao universo feminino. O que se ganha em troca é a flor, a joia, o micro-ondas o status mãe-do-mundo , nossa senhora. É uma troca injusta. Parimos este mundo masculino e não fazemos parte dele, porca miséria.

 A Haraway ficou para outro dia.


Eu tive que editar este post, por questão de ordem. Nenhuma destas ideias seriam blogadas não fosse Vinícius, um verdadeiro homem ibérico.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Boston tea party

Esta é mais uma história que atesta a favor do poder da conjuntura diante do curso da história.
Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência.
Se você acredita em amor e finais felizes, pare de ler imediatamente.
Tire as crianças do site. Esta história pode conter enredo excessivamente dramático.


Era uma vez Lia, que amava Ernesto, que amava Clio, que amava Bi, que não amava ninguém.
Era uma vez também Polínia, que jamais manteve relação alguma os demais, mas tem a ver com esta história.

Lia ganhou uma bolsa e foi embora, Ernesto morreu de saudades.
Sobraram Clio e Bi.

Um belo dia, encontraram-se no elevador com Polínia.
Como sugestão óbvia do ambiente, seguiu-se conversa sobre amenidades:
"Que dia, não?!", disse Clio.
"Que dia"; "É", responderam os demais.
"Você parece doente, Bi", Clio conjeturou.
"É, estou mal", Bi confirmou visivelmente abatido.

Polínia sabia do antigo amor e sentiu que devia lançar a deixa:
"Clio, por que você não faz uma massagem no Bi?", disse ela.
O coração de Clio palpitou (apesar de anos e cantadas em vão, apesar de todas empreitadas que morreram na praia, não sabe bem o porque, sua esperança parecia sempre infinda).
Bi continuou:
"Estou mesmo precisando de um chá."
"Um chá?", disse Clio.
"Um chá?", disse Polínia.
Seguiram-se risos, gargalhadas de ambas.
...

Naquele dia, Clio arquitetou mais um de seus planos infalíveis: Vestiria-se de apache e jogaria todo o estoque de chá da região ao mar.
Levantou-se e abriu a velha mala de fantasias, à procura daquele cocar.

Espirrou por conta da alergia.
Chorou pelo amor que mais uma vez deixara de consumar.
Sentou-se ao lado da mala.
Contemplou o buquê que conquistara no casamento de sua melhor amiga, há sete anos.
Procurou sua bolsa, acendeu um cigarro e riu.
...

No dia seguinte, jogou sua velha mala fora, usou seu melhor batom vermelho e deu para o primeiro que apareceu. Guardou, contudo, o velho buquê.

E este fora ficou registrado para sempre nos anais do Edifício Alexandrina.