Então o saguão da minha escola se redecorou para a semana da consciência negra.
Trabalhos dos alunos - grande parte deles moradora das periferias cubatenses - pendurados nas paredes, fixados nos murais, teto, chão... Traziam fotos de grandes personalidades negras, legendadas pelas frases "respeitem o negro", "o negro também é capaz", "os brancos devem respeitar os negros", etc.
Olho para meus alunos, quase todos quase pretos. Pergunto:
- Por que vocês acham que existe esta semana, a da Consciência Negra?
- Porque muitas pessoas tem preconceito com os negros, professora.
- Quem são estes negros que sofrem preconceito?
(silêncio constrangedor de um lado, risos engraçadinhos do outro)
- Professora, a gente não pode falar sobre isso na classe, senão começa a ter briga.
(...)
Continuo empenhada em descobrir quem é este negro, vítima do preconceito, alvo da campanha. Não o encontro. "O negro" sempre está lá, na terceira pessoa, existe, mas não é ninguém. Um negro virtual a quem a escola mobilizou esforços em uma semana sem sentido.
Passo para o lado de cá. Os professores, quase todos quase brancos. Os mesmos que querem combater o bullying e a violência na escola, mas desejam com paixão desenfreada que uma boa surra ensine uma lição aos playboyzinhos da USP. Os mesmos que dizem que "os pretos que levam o Brasil pra frente são o café e o petróleo". Os que qualificam negros como morenos, escurinhos. De novo, ninguém tem nada a ver com aquilo.
Avalio então, a abordagem historiográfica. Impessoalidade. O tráfico "de negros", a escravidão "dos negros", a liberdade "dos negros". Quem são estes negros? Nossos avós, bisavós, tataravós? Seres humanos? Brasileiros?
Nada! São uns negros lá. Mas não aqui.
O saguão da escola permanece decorado. Nele, vejo apelos anti-racistas, vejo o Tim Maia e a Taís Araújo. Mas não me vejo lá. Ninguém se vê.
O hall da escola está decorado, mas a Semana da Consciência Negra passou em branco, inconsciente.
Deve ser porque o Haiti não é aqui.