dedicado a meus amigos de labuta.
Olhou-se no espelho. Embora reprovasse muitos detalhes, não se sentia mal. O dia estava lindo, o calor invadia os cômodos da casa junto a uma luz branca ou um pouco amarelada. Não sentia, mas via o vento nos galhos da árvore em frente a sua janela. "É hoje", disse, como se alguém a pudesse ouvir.
Testou algumas formas de prender o cabelo, decidiu pelo velho rabo de cavalo no topo da cabeça. Sob o vestido, um biquíni lilás compunha o visual de cores leves e alegres. Calçou os pés com chinelos, prendeu a chave em uma das alças do biquíni. A carteira ficou mesmo debaixo de um dos braços: a ocasião não exigia grandes formalidades. Valeu-se do filtro solar adequado para sua pele e foi.
Chegando, percorreu o calçadão de um lado a outro, e sempre o fazia. Exigente que era, escolhia sempre os melhores lugares.
Não era alta, mas olhava a todos de cima. Fingindo-se desligada, ouvia de todos os lados "melancia, por favor", "é cinco e cinqüenta", "me adiciona no facebook". Algumas vezes era interrompida por algum conhecido: "oi, tudo bem?", "como vai a neném?", "nossa, como você emagreceu", "três por três reais", "mãe me dá um desse". Não tinha como evitar. Era mesmo muito popular entre os dali. Nada disso, porém, a abalava. Seguia solenemente em seu passeio com ares de desfile. Comentários elogiosos surgiam de todas as barracas pelas quais passava. "Oi, linda!", "nossa, que gata", "gostosa", "me olha, princesa", "ê lá em casa" ainda entre "é um real só, madame" e "abacaxi, abacaxi, abacaxi", "você é muito linda, sabia?". As meninas também a olhavam, admiradas, incomodadas, olhavam e entreolhavam-se.
Um senhor negro, de poucos e brancos cabelos, com expressão forte, mas serena estacionou seu carrinho por um instante, para lhe dirigir a atenção e a palavra: "muito bem, menina! tem mesmo que ajudar sua mãe".
Ela sorriu e agradeceu os elogios. Estava calor, as compras pesavam, mas andava com passos ainda mais firmes e confiantes. "Arrasei", pensou. Gostava muito da feira de rua. Principalmente porque - intimamente sabia - era a principal maneira de tomar sol em trajes mínimos por aquelas redondezas.
Porcolitro
Porcolitro era um leite muito safadinho, derramava sempre. Os outros litros falavam para ele: cuidado, você vai acabar sujando tudo. Mas o litro não estava nem aí, todo dia fazendo a mesma coisa. Até que um dia veio uma fada e transformou o litro em porco, num porcolitro, que protagonizou mil aventuras...
Créditos das aventuras de Porcolitro: Milton Nascimento e Maria Dolores Duarte.
As aventuras a seguir são por minha conta.
segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
terça-feira, 25 de janeiro de 2011
Soneto da guerra declarada
Planejamento, esta festa
mas tem gente que detesta
prever agora o ano inteiro
se ainda é janeiro
Vocabulário belicoso
tanto tempo ocioso
e se prefiro uma rede
sou o tijolo na parede
devo rever a estratégia
ou apenas fazer média,
mais um discurso ordinário?
mais um ano que, suponho
ficará ainda no sonho
o meu justo salário.
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
Nonada
Qual Guimarães Rosa, abuso e arrisco em usar a mesma chave para minha entrada e travessia nas veredas da blogosfera.
O desejo de florear meus próprios pixels já existe há um tempo e os exemplares brotam de todos os sítios (poucos, porém, trazem flores). Mas inspiração mesmo veio de um delicioso livro, presente do Fernando, um amigo querido de saborosos papos e preciosas referências desde a nossa meninice.
Inspiração é o que transborda de nós quando pensamos em Milton Nascimento. Seja uma inspiração contemplativa, um start na sensibilidade que deixamos um pouco pra lá para enfrentar os dias, ou aquela produtiva, que - nas palavras do outro, o Caio - dá vontade de sair por aí mudando o mundo.
E foi o que aconteceu: embalada por travessia - um trabalho biográfico sobre Milton Nascimento da jornalista trespontana Maria Dolores Pires do Rio Duarte - conheci o Porcolitro, um personagem criado por Milton Nascimento, quando era simplesmente Bituca: um menino tímido e atento ao mundo, o que, aliás, Milton nunca deixou de ser.
O trabalho de Maria Dolores é uma reverência a genialidade de Milton Nascimento, prato cheio para quem gosta de histórias simples da vida, daquelas que inspiram lágrimas e risos.
Este blogue não poderia ter melhor nome do que aquele que nasceu da imaginação de um menino, meio carioca, muito mineiro, que fantasiou que um litro de leite atrapalhado poderia ter seu lugar no mundo das coisas raras e fascinantes. Quando li esta história, pensei: "todo mundo é meio Porcolitro". Então, nasceu este blogue, que eu vou alimentando enquanto espero a minha fada.
Que sejam todas e todos bem-vindos, então.
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